Como Jesus chamou seus discípulos
para passar para o outro lado do mar da Galiléia, Ele nos chama para
irmos a um novo nível de
profundidade.
Em Lucas 8.22, lemos: “E
aconteceu que, num daqueles dias, entrou num barco com seus discípulos, e
disse-lhes: Passemos para o outro lado do lago. E partiram.” O Senhor quer nos
levar a níveis mais profundos, Ele deseja que passemos para o outro lado. Em
Lucas 8, vemos que, após decidir passar para o outro lado, Jesus acalmou uma tempestade
e depois, em terra, expulsou os demônios do gadareno. Desde pequeno ouço
pregações separadas desses dois trechos. A parte de Jesus acalmar a tempestade,
de Ele vir
para resolver os problemas em
nossas vidas é muito falada, até em hinos. Mas a questão mais importante aqui
não é a tempestade no mar que Jesus teve que acalmar, e sim para onde eles
estavam indo.
Profundidade e amor
Deus quer nos levar a lugares
mais profundos e isso envolve nossos relacionamentos com Ele e com as pessoas.
Muitas vezes não entendemos o que é profundidade, o que é amor. Nosso conceito
de amor é de “paixonite” mundana. A morte de Jesus na cruz não foi uma
expressão de “paixonite”, mas de amor. Amor é um ato de vontade, é um estilo de
vida, é uma escolha. Achamos que intimidade é sexo fácil. Pensamos que ser
íntimo é tratar as pessoas com desleixo e desrespeito. Achamos que intimidade é
falar que ama sem a responsabilidade de demonstrar isso com atitudes.
O Senhor sempre quer nos levar a
níveis mais profundos. Mas para isso, Ele não usará o método que achamos mais
conveniente. Não nos dará uma via bem pavimentada e um tênis confortável. Se
não foi assim com Jesus, não será conosco também.
Deus trabalha em nós para alargar
o nosso relacionamento com Ele e com as outras pessoas, para amarmos e nos
relacionarmos com pessoas que nos afrontam, que nos tratam com palavras duras,
que não têm nada para amarmos. É preciso amar em uma medida maior para irmos a
um novo nível.
Nosso nível de realidade
Nesse texto de Lucas 8, Jesus tinha
feito muitos milagres, ensinado com revelação e profundidade e até morto tinha
ressuscitado. E nesse momento de conquistas e sucesso, Ele decide parar e ir
para outro lado. Imagino que se fosse hoje, alguns irmãos falariam: “Jesus, em time
que está ganhando não se mexe. Quando as coisas estão dando certo não mudamos
nada.”
Todos têm um nível de realidade
espiritual: experiências que tiveram com Deus, provisões, revelações, milagres.
Quando as coisas já aconteceram e estão acontecendo, o Senhor chega a nós e nos
chama para passarmos para o outro lado.
O “passar para o outro lado”
parece uma senha. Quando obedecemos a esse chamado, parece que tudo começa a
travar. A Célula que fluía não flui mais. Aquela realidade da presença do
Senhor parece que foi embora. Pensamos que tem algo errado, mas não há nada de
errado, é o Senhor querendo nos alargar, querendo levar-nos a um nível mais
profundo. E Ele fará isso do jeito dele.
Normalmente, as pessoas caminham
em um ritmo bom até o momento da crise. Quando chega a crise elas retrocedem. A
crise começa quando nosso sistema anterior não funciona mais. Nesse ponto, tudo
fica difícil, demanda pressão, custa mais caro. Mas precisamos continuar
seguindo o Senhor. Muitos olham as
circunstâncias e pensam que
tantos problemas não podem ser de Deus e decidem não ir para o outro lado,
ficam no mesmo lugar fazendo as mesmas coisas e usando o mesmo método.
Quando temos essa postura, o
Senhor passa de nós. Não interessa quantos moveres legítimos tenhamos experimentado,
quando Deus nos chama para passar para o outro lado, é por que Ele quer que continuemos
sensíveis para segui-lo, com o coração aberto para ir onde Ele quer, fazer o
que Ele mandar. Podemos não saber para onde estamos indo e nem os detalhes da
caminhada, mas se temos a convicção que Deus está nisso, que estamos
seguindo-o, então devemos continuar, seguir em frente.
O que é profundidade?
Muitos têm o conceito que o lugar
mais profundo é onde temos mais poder, mais explosão. Mas o nosso conceito de
profundidade não é o conceito de Deus. Precisamos enxergar além do nosso
próprio umbigo e ter uma visão mais prática da vida espiritual. Profundidade
não é ficar deleitando-se na presença de Deus de uma maneira egoísta enquanto o
restante do mundo está na miséria. Muitos tropeçam na pedra de tropeço porque
avaliam o mover de Deus pelas aparências e não ficam atentos ao conteúdo. O mover
de Deus pode entrar em contradição e confrontar as nossas preferências. Se não
nos dispusermos a seguir o Senhor mesmo quando as coisas não estão agradáveis,
perderemos o mover de Deus.
Antes de entrar no barco para
passar para o outro lado, estávamos em terra firme; tudo era seguro, previsível
e estável. No barco, tudo fica instável, ele mexe muito, existem muitas ondas, muitos
ventos, dá até enjoo e vontade de vomitar. Isso tudo por que o Senhor quer nos
levar a uma dependência de fé real. Imagino os discípulos... Eles obedeceram ao
Senhor e entraram no barco para passar para o outro lado. Mas com a obediência
tudo ficou complicado, incerto, instável, eles ficaram aterrorizados e foram acordar
o Senhor.
E Jesus disse: “Onde está a vossa
fé?” (Lc 8.25). Antes, eu achava que o Senhor tinha chamado Seus discípulos de
incrédulos, porque queria que eles acalmassem o mar. Mas lendo e estudando, entendi
que Jesus ficou grilado porque se Ele chamou os discípulos para irem para o
outro lado, essa era a garantia que eles tinham de que o barco não iria
afundar.
Aquele barco era o lugar mais
seguro porque Jesus estava lá. Não importa se Ele estava dormindo ou acordado,
se Jesus estava lá, então tudo estava seguro. Se servimos ao Senhor e estamos
em obediência a Deus, mesmo que tudo esteja às avessas, estamos seguros. Ele nos
chama a uma dependência mais alta e irá nos honrar por obedecermos e continuarmos
seguindo.
O outro lado
O outro lado para o qual Jesus
chamou Seus discípulos era uma região chamada Decápolis, um grupo de dez
cidades localizadas no outro lado do mar da Galileia. Nessas dez cidades, aconteceu
o primeiro cativeiro assírio. Nos cativeiros, os assírios misturavam os povos
como estratégia de dominação. Por isso, essa região era um verdadeiro misto de
religiões, etnias, culturas, línguas. E os judeus tinham preconceito com esses
povos. Preconceito que muitas vezes temos com aqueles parentes e amigos que abandonamos
depois que convertemos. Deus nos leva a um povo que não tem nada a ver conosco,
com preferências, prioridades, estilo de vida e valores completamente
diferentes dos nossos. Isso requer de nós um alto nível de amor. Para irmos mais
profundo, temos que amar mais.
O Senhor levou seus discípulos
para a província dos gadarenos e lá havia um rapaz com um estado terrível. Ele
estava treinando seus discípulos a andar em dependência de Deus, a andar por fé
e a lidar com outro nível de poder espiritual. Se eles não tivessem passado
para o outro lado, não experimentariam o nível do sobrenatural do Senhor em
suas vidas. Para o Senhor nos levar a um nível mais profundo, Ele nos dá um
desafio maior para alargar nossa fé e nossas experiências. Os judeus não se
misturavam com pessoas de outros povos, não gostavam de lidar com demônios, não
tocavam em cadáveres e nem em nada morto e abominavam porcos, animal
considerado imundo para eles. Jesus cercou Seus discípulos na “escola da
profundidade” de tudo o que eles não queriam e não gostavam: um endomoniado
gadareno que vivia em um cemitério e que foi liberto quando Jesus mandou a
legião de demônios para os porcos. Dessa mesma maneira é que o Senhor nos
treina. Crescemos enfrentando circunstâncias adversas. Se temos pedido
profundidade, temos que largar nossa vidinha fácil e entrar no barco com Jesus,
entrar na dependência, deixá-lo no controle. O interessante é que tudo o que aconteceu
em Lucas 8 foi por causa de um homem apenas, porque a Palavra nos mostra que aquela
cidade inteira rejeitou o Senhor (Lc 8.37).
Jesus queria ensinar aos
discípulos que uma vida vale mais que o mundo inteiro. Que devemos largar tudo,
contrariar as nossas preferências por causa de uma vida apenas.
O resultado
Pelo que vemos no
texto, os
discípulos entraram no barco e passaram pelo treinamento de profundidade do
Senhor em um tempo curto. Mas quando entramos no barco, não temos garantia de
quanto tempo levará para chegarmos ao outro lado. Profundidade não está
relacionada apenas com nosso relacionamento com Deus, ela afetará nosso
relacionamento com os outros. Quando avançamos em profundidade, o Senhor começa
a mostrar nossos vizinhos, nossos parentes, as pessoas do trabalho, os
miseráveis na rua. E nem sempre as pessoas que Ele mostra são aquelas
quebrantadas, que estão com o coração aberto para o evangelho. Isso acontece para
aprendermos a amar quem não nos ama, para gostarmos de quem nos trai e critica.
Quando vamos para o outro lado, experimentamos
do sobrenatural de Deus para libertar os cativos, para liberar os filhos espirituais,
para levantar os discípulos dos lugares mais frios e áridos. Se ousarmos ir
para o outro lado, veremos o poder de Deus ser liberado sobre nossas vidas como
nunca antes, para confrontar o poder das trevas. Alcançaremos discernimento,
estabilidade emocional e espiritual e segurança em Deus. Muitos têm desejado profundidade
e assim estão esperando mais do derramar de Deus. Entretanto, para alguns, o Senhor
já derramou a medida suficiente e agora Ele quer levá-lo para o outro lado. E a
decisão é sua de querer passar para o outro lado ou permanecer onde está.
Porém, se permanecer, ficará no mesmo nível, não experimentará mais do
sobrenatural de Deus. E o mover do Senhor passará de você.
Por Marcelo Almeida